domingo, 7 de junho de 2009



Não me lembro do último filme que vi em que todos os planos eram tão minuciosamente estudados e enquadrados.

 

Este é um dos meus primeiros pensamentos ao sair da sala de cinema depois de ver o novo filme que o CinemaParaIST apoia. Chama-se “Deixa-me Entrar” (do original “Lat Den Ratte Komma In”) e é o mais peculiar filme de vampiros que conheço.

 

A história não se alonga: Oskar, um pré-adolescente tímido mas de mente retorcida (como todos nós), vítima de bulling pelos colegas de escola e com um desesperado desejo de vingança incapaz de se tornar realidade. Tudo muda quando uma rapariga da mesma idade vem morar para a vizinhança. Noite, mortes e muito sangue, tudo se conjuga na verdadeira condição da nova amiga: Eli é vampira. Mas, recuperando uma linguagem de, por exemplo, “Les Jeux Interdits” e “Aniki Bóbó”, desenrola-se aqui uma estranha mas genuina amizade, cheia de pequenos compromissos e de intensas conquistas face ao medo. Em relação ao tabu dos assassínios perpetuados por Eli (“Oskar, I do it because I have to.”) e em relação à própria aproximação entre os dois, a descoberta do amor e duma certa sensualidade inerente aos 12 anos que os personagens têm (bom, pelo menos o que é mortal). E aí reside o que de mais interessante tem o filme. Não desconsiderando as cenas de terror psicológico à lá “Shining” (estão bastante boas) nem a própria forma de realização de Tomas Alfredson (já lá vamos), o que toca e que fica retido neste filme é uma história de crescimento e de aproximação, uma amizade entre...”raças”, e a forma como cada um toma consciência da condição do outro (fica para a memória uma fantástica cena close-up em que Eli pede a Oskar para se pôr na pele dela).

 

Á parte de tudo isso, e, como me descosi logo na primeira frase, este filme é um primor de realização! Os planos surgem com um formalismo excepcional, mas ao mesmo tempo com uma naturalidade de quem faz isto há muitos anos. Tudo está bem enquadrado, movido num ritmo de degustação lenta mas não demasiado longa, e filmado com uma proximidade aos actores medida com precisão, relatando num estilo quase documental tal é a crueza das imagens, mas nunca ocupando-lhes o espaço. Faz lembrar um delicioso filme francês “Le voyage du ballon rouge”, em que o filme se transforma numa câmara que entra em casa duma família apenas para relatar passivamente o seu quotidiano, sem lhes querer impôr uma narrativa específica.

 

Finalizando, mesmo para quem não gosta de filmes de vampiros e/ou criaturas várias, vá claramente ver este filme. Porque não se trata de cinema de terror. Trata-se de cinema de qualidade.


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