quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Nippon Koma - Digista Vol. VI

Na Culturgest, desde a passada segunda-feira, tem havido uma invasão japonesa.
Não, não há propriamente aquele cliché de senhores baixos, de óculos, a tirar fotos a tudo e a sorrir por nada.
Estes japoneses que nos estão a invadir estão apenas em celulóide, e alguns são em desenho animado (ou anime, para ser mais correcto).

Durante esta semana (de 8 a 13 de Dezembro), no pequeno auditório da Culturgest, decorre a mostra Nippon Koma, que já vai na sua 6ª edição - creio eu -, e ontem foi dia de eu perder a virgindade nestas sessões.

Documentários e filmes de animação são os dois ingredientes desta mostra, não se focando tanto no anime como também nas inovadoras técnicas de animação de vários artistas contemporâneos, a complementar com filmes clássicos da animação japonesa dos anos 1928-1931, onde se podem ver alguns dos trabalhos de Ofuji Noburo, um dos pioneiros da animação ao qual foi atribuido o nome de um ilustre prémio.

Digista Vol. VI

Digista significa Digital Stadium e é um programa de televisão japonês no qual trabalham alguns dos melhores criadores de arte digital do mundo. É uma competição em que, por programa, são seleccionados 4 trabalhos, um dos quais é escolhido como Digista Best Selection.
Nesta sessão estavam alguns dos melhores trabalhos de 2006 e 2007 dos quais destaco o filme Flock, de Toru Otsubo como Sérgio Best Selection Yah! Ele depois recebe o prémio por correio.

Flock é um filme que anima de uma forma bastante simples e original uma fotografia em que estão vários pássaros a voar. Depois faz o mesmo para outra, e para outra, etc. A ideia, aqui muito bem passada à prática, é ter vários pássaros em fases diferentes do processo de vôo, na mesma imagem, e mover a fotografia rapidamente de forma a que esses vários animais se fundam e criem o movimento completo, que cada um deles só está a elaborar de forma parcial.
Por outras palavras, é feito um transformador que consegue converter o tempo que uma objectiva demora a fechar, num intervalo de tempo que pode demorar o que quisermos.

Destaque também para Fridges, de Fujio Tanabe - a história de um frigorífico que é abandonado perto de uma estrada -, e não me apetece escolher mais, porque acho que a opinião de cada um conta mais.

Os filmes podem ser vistos clicando AQUI. Na barra de cima, ao pé de uns rabiscos nipónicos está o número "2007" o que, com a minha grande perspicácia, consegui compreender que fazia corresponder ao ANO de 2007 (ahhhhh!...), e é nessa secção que estão os filmes que passaram ontem, e mais alguns.

Deixem comentário acerca da vossa preferência.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Director's Cut - 4 Dezembro

Da Áustria com amor

ou: como a Diana salvou o nosso programa.

http://archive.radiozero.pt/directorscut20081204.mp3

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Director's Cut 2008-11-13

A morte de Sérgio segundo Artur Silva e Ana Filipa Dionísio.

http://archive.radiozero.pt/directorscut20081113.mp3

terça-feira, 18 de novembro de 2008

devil come to hell and stay where you belong

A linha que separa um documentário de um filme de ficção pode ser muito ténue: acho que este foi o pensamento que mais vezes me passou pela cabeça durante o meu primeiro CPH:DOX - Festival Internacional de Documentários em Copenhaga. O segundo foi: Que selecção... que festival!

Uma sessão da meia noite é sempre uma sessão especial. Pelos mais diversos motivos: porque serviu para curar uma insónia ou tapar umas horas que teriam sido passadas em frente ao pequeno écran, porque a sala estava vazia, porque já se vai com a companhia habitual das sessões da meia noite, porque o filme só passa mesmo a essa hora...

A meio do documentário Devil come to hell and stay where you belong e entre dois cabeceamentos típicos de quem está cheio de sono e no quentinho, perguntei-me a mim mesma porque raio é que estariam a passar este filme numa sessão da meia noite, e apenas numa sessão da meia noite. As premissas eram: road-movie, no plot, sexo, Bonnie & Clyde, Vincent Gallo, Bruno Dumont e Claire Denis (não confundir com Claire Danes). Mas até agora não tinha nada mais do que uma série de filmagens de um casal a atravessar os Estados Unidos de carro, filmando ora um ora o outro com a câmara a oscilar incessantemente, excepto quando a câmara está fixa e aparecem os dois, ora perto, ora longe. A ausência de diálogos e o ritmo do filme à la Brown Bunny estavam a deixar-me sonolenta.

É que ainda por cima não tinha sido filmado com a graça com que foi filmado o Brown Bunny. Por mais bonitas e inóspitas que as paisagens sejam (e por mais crus que sejam os detalhes dos animais mortos à beira da estrada), e por mais iguais entre si que todos os motéis à beira da estrada sejam, cortar assim as cenas sem mais nem menos não é de todo bonito.

Mas vá. É um documentário. São imagens reais, da vida real. E aquela música dramática e teatral à Michael Nyman que vai surgindo, apenas durante alguns segundos, com frequência aparentemente aleatórea mas afinal parece que crescente, deve ser só mesmo para acordar o pessoal que adormeceu.

Até à última vez essa música surge. A última sequência do filme está maravilhosamente montada, e prende-nos ao écran com uma intensidade tal, para depois nos atirar à cara uma violência de que não estávamos à espera. (Eu sabia! Brown Bunny!) E aí toda a minha visão do filme mudou, foi como se o tivesse rebobinado naquele instante, na minha cabeça. De um filme frio e árido, passou a um filme extremamente orgânico e até a modos que intenso.

Tenho sérias dúvidas sobre a realidade da cena final. Porque num documentário, tudo o que foi filmado aconteceu na realidade, não é? Neste caso, pelo menos para mim, fica a dúvida no ar. Ah e tal, extinção das espécies (ainda estou para perceber a referência a isto que li num artigo sobre o filme algures na net), mas eu acho que apesar de tudo a consciência humana ainda prevalece sobre os actos geralmente associados aos animais. E nem os animais!

E no fim, de novo,



só para nos lembrarmos de que já sabíamos à partida que íamos ver um filme com este nome.

Ok, já chega. Debato-me então: se a cena final é falsa, então para mim todo o filme é falso, e foi feito com um propósito, que eu não sei qual é. Se a cena final é real, então, bem, nem quero pensar. Houve quem sugerisse artist bullshit?, e do pouco que encontrei na net sobre os dois realizadores/actores/etc - Massimiliano & Nina Breeder, estes parecem de facto estar ligados mais ao mundo das galerias de arte do que do cinema. Mas isso não quer dizer nada...

Ana

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira - uma questão de identidade

Em primeiro lugar, nunca li o livro (infelizmente), e por isso mesmo não posso fazer as normais comparações à obra de Saramago (mas confesso que depois de ver o filme tomei consciência de que o livro deve ser realmente brilhante!).

Bom, tendo em conta este pressuposto, posso dizer que gostei bastante do filme. Apesar do início algo duvidoso, à medida que se desenvolve torna-se num poderoso estudo sobre a condição humana, algo entre o Dogville de Lars Von Trier e o Triunfo dos Porcos. Apesar dos boicotes hipócritas de certas entidades devido à forma como os cegos são retratados no filme como “anormais”, o filme trata esse aspecto apenas como uma metáfora. A forma, não o conteúdo. E aí reside a genialidade do argumento.

E em termos de conteúdo há muito: a esquizofrenia e a desorientação inerentes à perda dum pilar fundamental (e dado como adquirido) na nossa vida, e o consequente retorno ao comportamento primitivo, à luta pela sobrevivência e à satisfação dos instintos mais básicos a qualquer custo. A partir desse estado as personagens partem para um comportamento à lá “porcos”: a construção duma sociedade sem escrúpulos num ambiente anárquico. E aí residem algumas das cenas mais fortes do filme. A falta de ética e do mais básico respeito e amor-próprio: já não sou Eu, sou apenas um corpo por alimentar. E afinal, nestas condições o que é este “Eu”? Num mundo onde os nomes não interessam e onde não existem caras, qual é a nossa identidade? Sem o nosso ritmo de vida normal, profissão, amizades e relações, quem nos define? Para mim, este é o tema fundamental da história e o que mais me impressionou, apesar de se perder bastante no filme: no livro além de não haver nomes (as personagens são identificadas pelas suas classes ou particularidades: o médico, a mulher, o velho, etc.), também não existe a definição visual que o filme dá, o que remete ainda mais para essa falta de identidade…

Há outros pormenores deliciosos: o facto do médico, depois de muita frustração pela forma como dependia excessivamente da mulher, se consegue adaptar e ir às escuras pela cidade; a revelação de, depois de muitos minutos de película em que a mulher do médico nos parece a única minimamente humana, se deixa influenciar pelo ambiente selvagem na cena em que protege a comida dos “lobos” à porta do supermercado; e principalmente o comportamento desprezível dos saudáveis em relação aos cegos, ao desconhecido (com uma breve incursão irónica à religião). A ignorância transforma-se em medo, e o medo em violência, patente em cenas tensas como “o médico à procura de medicamentos” vs. “o soldado stressado”… Por fim, e sem spoilar nada, o final deixa-nos uma sensação, ora de esperança, ora de profunda perplexidade para uma nova realidade: como começar de novo se tudo em que acreditávamos foi desacreditado?

Em termos mais técnicos, a fotografia e o estilo de realização ajudam a uma boa contextualização, apesar de a estética usada ser por vezes um pouco excessiva (mas interessante). Os cenários estão muito bem conseguidos e as interpretações são bastante consistentes (Julianne Moore à cabeça). Talvez o maior defeito que consigo apontar ao filme é uma certa dificuldade em revermo-nos nas personagens, apesar de até preferir este distanciamento como forma de aumentar o conceito de falta de identidade…

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Noiserv ao vivo no S. Jorge, porque neste blog não há só cinema

Que dizer?

Confesso que, apesar de conhecer a pessoa que integra este projecto, ainda não tinha ouvido nada.

Antes disto eu apenas perguntei: "mas é como? diz-me o estilo?", todas aquelas perguntas que são óbvias e pertinentes nestes casos. Diziam-me coisas tão díspares que nem vale a pena aqui mencionar, pois só servem para confundir.

Entrei no concerto, rodeado de pessoas que creio poder chamar amigos, ansiosas por ver outro amigo em palco. Isso só por sí valia o bilhete.

Começou a música.

Que posso eu dizer? Que fiquei surpreendido? Sim. Que esperava outra coisa? Sim.

Fiquei surpreendi e esperava outra coisa. Esperava algo medíocre, admito. Fiquei surpreendido porque é bem melhor que o que estava à espera. E "bem melhor" é pouco.

Alguém hoje me disse: "Houve uma pessoa que ouviu Noiserv e esperava uma coisa assim (mão à altura da cabeça), e ouviu algo assim (mão a subir, a subir...)". Ok, concordo.

David Santos aka Noiserv fez uma grande apresentação ao seu álbum, acompanhado de um elenco de amigos que produziram um grande espectáculo, tanto acústico como visual. As imagens de Diana Mascarenhas colocavam o selo de intimidade a esta apresentação, não distraíndo mas sim dando ao público algo para ver além de David rodeado de guitarras e teclados - que tanto usou. Tirou a atenção do público daquilo que, para o artista, é trabalho, deixando-nos apenas com a melodia que é o produto desse trabalho. Não nos interessou o processo, o resultado é bonito.

A simpatia de David fez-se sentir em palco à medida que chamava a companhia de Rodrigo Piedade ao piano e, mais notavelmente Luís (peço perdão por não saber o último nome) aka Walter Benjamin - um multi-instrumentalista que não me deixa de surpreender, tanto pela empatia como pela facilidade com que faz soar bem qualquer coisa, em qualquer contexto. Calculo que se lhe déssemos somente uma colher ele conseguia fazer um álbum à lá Phillip Glass.

Mas falava eu de simpatia e isso lembra-me o momento antes do encore, com um coro composto por amigos de Noiserv - daí eu insistir no termo "simpatia", é a primeira palavra que me ocorre durante todo este post - , num momento que, sendo o fim do espectáculo, nos deixaria simplesmente satisfeitos e com um sorriso parvo na cara. O concerto acabava ali e eu simplesmente ía para casa dormir satisfeito.

Não foi o fim do espectáculo, e posso dizer que - agora, estando em casa - estou satisfeito na mesma. Não foi o fim do espectáculo e ainda bem. Agora quero é ouvir mais.

Ainda não falei nada sobre o tipo de música, mas isto é um blog sobre cinema... o que estavam à espera? Vai haver críticas noutros lados, por isso leiam aí.

Sei é que - e numa tentativa de dar a temática cinematográfica a este post - se fizer um filme, gostaria de convidar Noiserv e Walter Benjamin para a banda sonora. A música já existe... pode ser que me inspire para o filme.

Para quem ainda não apanhou na rádio:

Walter Benjamin: http://www.myspace.com/Iamwalterbenjamin

Noiserv: http://www.noiserv.net/

Sérgio Cruz Serra

A Turma - Entre Les Murs

Já foi dito muito sobre este filme, mas pode ser que não tenha passado a mensagem: "vão vê-lo!"

Laurent Cantet juntou-se a François Bégaudeau - autor do livro que originou este filme - para criar uma obra prima que se funde com a vida real. Se o filme é baseado no livro, este é baseado nas experiências de Bégaudeau como professor em Paris.

Mas quem diz Paris, pode bem dizer Lisboa, Odivelas, Loures, Porto, Amadora, ou qualquer outra escola deste país. Para dar uma ideia, aqui estão alguns relatos de professores deste nosso país:

Será possível que um filme seja tão real? Falassem português e aquela era, em tudo, uma escola no Portugal real. A ver, obrigatoriamente! Em especial por todos aqueles que estão distantes desta realidade.

Susana Tibúrcio Brito, professora no Colégio de Pina Manique

Como professora senti-me feliz ao ver este filme… Achei-o maravilhoso, fantástico, tão próximo da realidade que até aflige… Aquela turma pode ser qualquer uma das minhas turmas, das turmas de qualquer escola deste país… É bom ver finalmente no cinema algo que nos toca tanto…

Luísa Lopes, professora da Escola Secundária D. Dinis em Chelas

Fui ver ontem. Ficámos à conversa muito tempo depois. A nossa escola tem muitos casos decalcados a papel químico. Filme a não perder por todos.

Anabela Gaio, professora

Agora a minha opinião.

Para um filme de mais de duas horas, não há um momento de aborrecimento. Posso falar aqui de nostalgia, posso falar aqui de identidade que tive com alguns alunos, posso até dizer aqui que conheço todos os personagens. Vocês também os conhecem. Aqueles vossos colegas do 5º ao 9º ano estão ali todos, versão século XXI.

Senti um choque pela realidade dos nossos tempos, mas ao mesmo tempo não me surpreendeu. Desde o famoso episódio do "dá-me o telemóvel", que temos vindo a ser brindados com novelas do mundo estudantil. Para nos actualizarmos, nada melhor que o public service anoucement de 128 minutos dado por este filme.

Por momentos sorrimos, por momentos ficamos nostálgicos, por momentos ficamos a torcer ora pelo professor ora pelos alunos - mas compreendemos todos.

Gostamos de pensar que temos a maturidade do professor e a inocência e espirito rebelde dos alunos. Senão este filme não teria sentido. Mas graças a isto tudo, tem. E ainda bem.

Entre les murs, distribuído pela Midas Filmes, em exibição no Londres, El Corte Inglés, Alegro de Alfragide e Cascais Villa na zona de Lisboa, e no Lusomundo Mar Shopping e UCI Arrábida na zona do Porto, entre outros. Devia estar em mais.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Passatempo Estoril Film Festival

Cá estamos nós a acompanhar mais um festival.

O Estoril Film Festival, na sua segunda edição, traz alguns dos nomes sonantes do panorama cinematográfico e, como poucas estrelas não fazem uma constelação, querem que tu te juntes a eles neste evento. Sim, estou a dizer que vocês são as estrelas que faltam para a constelação. Sim, eu sei que foi uma metáfora ridícula...

Participem, portanto, no nosso passatempo, clicando aqui.

E estejam atentos durante o festival, pois vamos tentar acompanhá-lo aqui no blog.
Deixem uma palavra amiga... I'm needy.

Boa sorte!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Director's Cut - 6 Novembro

artur
sérgio
loira
ana f
nick cave
obama
joão baião

Que têm estas pessoas em comum? Provavelmente nada.

http://archive.radiozero.pt/directorscut20081106.mp3

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

RIP Michael Crichton

Michael Crichton, escritor (e realizador e produtor de cinema e produtor de TV e médico - a sério, médico!) conhecido no mundo do cinema por ter criado as histórias de (só para mencionar uns...) Andromeda Strain, Jurassic Park, Westworld - realizando este último e uma mão cheia de outros -, morreu na passada terça-feira, vítima de cancro.

Os seus romances, que denotam sempre um grande background de pesquisa, preenchem as estantes de muitos fãs que, tropeçados por este infortúnio inesperado, esperavam ainda muito mais do escritor de 66 anos.

Quem nunca leu, poderá sempre dirigir-se a uma livraria que, certamente, tem os seus livros. Caso estejam esgotados, nos próximos tempos irão encher, por tributo (e por dinheiro) a um dos grandes escritores de best sellers deste século.

Trivia para quando alguém vos perguntar "hey, sabes que o gajo que escreveu o Jurassic Park morreu?", para que vocês possam sair por cima: foi dado o nome dele a um dinossauro, descoberto em 2002... Crichtonsaurus bohlini.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

TWELVE O'CLOCK HIGH (1949)

No âmbito da cadeira de AOSI de MEIC, o professor aconselhou todos os alunos a ver o filme Twelve O'Clock High (1949), um filme sobre liderança!

Mas, não querendo restringir o filme ao pessoal da cadeira, o Cinema ParaIST intercedeu e convida toda a gente que queira assistir a este filme.

O visionamento ocorrerá dia 7 às 17:30, na sala PA1, localizada no edifício de Pós Graduação.

Apareçam!

domingo, 2 de novembro de 2008

Ode à paranóia



Para muitos, até para mim, Burn After Reading parecerá uma direcção estranha tomada pelos Coen depois de No Country. Confesso que, apesar de ser um fã devoto dos Coen, não gostei muito do filme à partida, mas nos dias seguintes dei por mim a defendê-lo a gostar cada vez mais dele.

É fácil reduzir este filme à simples sátira, um mero retrato cómico da actualidade em que estas figuras que coexistem em Washington DC são pura e simplesmente ridicularizadas. Foi o que me pareceu à primeira vista, e o que agora estou convencido de não ser verdade. Não falta ao filme uma panóplia de personagens gananciosas, adúlteras, inseguras e incompetentes, que não apenas o objecto da sátira, mas que na sua tristeza - virada comédia, acabam por ser os heróis. Toda a gente neste filme está a agir segundo uma suposição que está errada, e agindo sob a sua colossal paranoia criam a realidade percebida pelos outros personagens, e isto acaba numa divertida montanha russa em que tudo acontece por razão nenhuma e já não conseguimos perceber como é que as coisas chegaram a este ponto. Neste sentido, Burn after reading é o filme mais parecido com Blood Simple de todos os outros da carreira dos Coen. O perfeito noir.

É também um filme de autor para actores brilharem. George Clooney supera-se a cada filme. Brad Pitt está simplesmente incrível. Todos os membros do elenco dançam com graciosidade neste pesadelo morno repleto de gargalhadas.

Report back to me when this makes sense.

Artur Silva

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

o meu amigo mike ao trabalho


[CÂMARA ON]

Por vezes vemos um quadro de pintura contemporânea e não percebemos o seu significado. Ou por falta de contexto, ou por pura preguiça em olhar com olhos de ver. Ora bem, aqui está a forma ideal de ultrapassar esse estigma e perceber a forma como um quadro deste género é pintado. O filme envolve-nos em todo o processo criativo: desde a escolha da tela até à simples espera do artista a olhar para o quadro à espera que este o diga o que fazer. Michael Biberstein é o artista, Fernando Lopes é o realizador. O primeiro expõe a sua forma de criação enquanto o segundo nos mostra a sua visão dessa mesma forma.

Vamos por partes: o processo criativo de Michael consiste em sobrepôr camadas de tinta sobre tela molhada, uma por dia, de forma a que a cor resultante seja sempre uma incógnita ao final de cada dia, e uma surpresa no dia seguinte (devido à secagem natural da tela). Assim, a obra não é apenas parte integrante da criatividade do artista, mas também da própria personalidade do quadro e do ambiente que o rodeia (além da "osmose" entre diferentes camadas, ou seja, a forma como diferentes dias de trabalho interagem entre si). Toda esta história de amor, esta intimidade entre quadro, artista e ambiente, é registada por uma pedra colocada à frente do quadro onde Michael deita os restos de tinta não usasa, no final de cada dia. Assim, a pedra surge como um diário e, na verdade, acaba por ser a entidade que mais sabe sobre a obra, a que acompanhou na primeira pessoa toda o processo criativo (o artista no final do dia ia para casa!).

Bom, agora o lado cinematográfico da coisa: Fernando Lopes trabalhou este filme com muitas sobreposições de imagem, como que diferentes camadas de filmes numa analogia ao próprio quadro. E devido à busca de "serenidade em movimento" levada a cabo pela obra, são frequentes as sobreposições com imagens de nuvens (boa metáfora). Além disso, brinca muito com o conceito de presença e/ou vazio da cadeira do atelier, onde o artista pensava sobre a obra (o tal diálogo com o quadro). Por fim, há que destacar a honestidade do próprio documentário, com Michael a falar sobre a sua própria relação com a câmara (o elemento perturbador, visto estar habituado a trabalhar sozinho no seu atelier).

[CÂMARA OFF]

blind loves - histórias de amor

Ainda há uns dias José Saramago disse «A estupidez não escolhe entre cegos e não-cegos». O amor também não.

E é estúpido pensar o contrário.

Este filme conta com uma simplicidade desarmante pequenas histórias sobre várias pessoas e a forma como elas encaram o amor. Estas pessoas são cegas mas poderiam não ser, esse é apenas um pormenor. E apesar das diferenças que esse "pequeno" pormenor implicam, essas pessoas conseguem levar uma vida amorosa como todas as outras. Com a "pequena" diferença que a veêm de outra forma. Aqui não há lugar para falsas assumpções de beleza induzidas pela nossa sociedade consumista de revistas e programas de televisão recheados e salpicados de caras bonitas (?), aqui conta apenas o interior. Como deveria ser. Ora a forma como estas pessoas vivem o amor com as suas mentes não corrumpidas é aqui retratado recorrendo à mais bela técnica de realização de cinema - nós não estamos a ver um filme, estamos numa cadeira na cozinha do casal de meia idade que apesar da cegueira corta as batatas para o jantar em conjunto, no pequeno quarto de hospital onde uma jovem grávida tenta acalmar a ansiedade de descobrir se a sua condição vai passar para o seu rebento, no rebelde casal de namorados que tenta a todo o custo ir acampar um fim de semana sem os pais saberem, na adolescente que fala num chat de internet com um rapaz desconhecido como qualquer outra adolescente, etc etc... um sem número de pequenas situações, pedaços de vida que sentimos, não como se fossemos nós (porque é impossível imaginarmos a forma de vida deles), mas como se fossem nossos amigos e conhecidos. É uma constante em todo o filme, essa aproximação que sentimos aos protagonistas. E é isso que interessa...

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

DocLisboa - My Enemy's Enemy


Klaus Barbie.

Apesar do nome feminino e infantil, este foi um dos maiores carniceiros nazis durante da 2º Guerrra Mundial. Conhecido por ter morto o líder da resistência francesa e exterminado 44 crianças duma creche judaica, era um mestre na “arte” do interrogatório e tortura, além de ter informadores por toda a Europa a trabalhar para ele. Por estas razões, depois da guerra, foi contratado a peso de ouro pelos serviços secretos americanos. Apesar da pressão exercida pela França para ser extraditado e julgado no país, sempre foi defendido pelos americanos em nome do combate ao comunismo.

Este é um filme que levanta a questão (sempre na ordem do dia): “até onde podem ir as autoridades em nome do combate ao crime?” Do lado americano a resposta é sem dúvida que os fins justificam os meios e, nessa linha de pensamento, não é estranho que eles tenham albergado e protegido um dos maiores assassinos da história, apenas para aproveitar os seus conhecimentos e contactos... Este “simpático” senhor ainda fez das suas na América Latina, onde organizou um golpe de estado para implantar uma ditadura nazi na Bolívia (o IV Reich dos Andes).

O documentário está construído de forma exemplar, apesar de pouco aventureira: consiste na sua maioria, em entrevistas e imagens de arquivo, aqui e ali seguidas por uma voz off sempre pertinente. Resumindo, é um filme muito interessante, que disseca de forma irónica a hipocrisia do Ocidente, que sempre se auto-intitulou de bom da fita, em oposição ao Médio Oriente, União Soviética, etc.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

DocLisboa - O Adeus à Brisa

O Adeus à Brisa

Neste filme conhecemos a parte de Urbano Tavares Rodrigues num diálogo honesto, no qual é-nos revelada a vida do escritor tendo como pano de fundo os anos de ditadura em Portugal.

Imagens do Alentejo, que me derretem sempre e dão comichão à minha costela alentejana; música revolucionária, que tanto se tornou cliché de tão bradada que é nos programas sobre o 25 de Abril; histórias de juventude, sobre mulheres, viagens, amigos, familiares. Uma boa hora, bem passada.

Fiquei fascinado com a quantidade de livros que ele tem, especialmente quando soube que há muitos anos, grande parte da sua colecção tinha sido queimada pela censura do regime.

Conhecendo o realizador, Possidónio Cachapa - também ele escritor -, fiquei com um sorriso na cara por ver uma homenagem tão frontal, tão genuína e - ok, vou usar o termo - tão querida, que não lhe consegui dizer nada no fim do filme. Sorri, dei-lhe os parabéns, murmurei um "qualquer filme que mostre o Alentejo, para mim... lá no topo", e segui caminho.

Também não sei que dizer muito mais. Vejam o filme, que eu vou comprar uns quantos livros de Urbano Tavares Rodrigues, para ver se alguém destrona a anglofonia das minhas estantes.

Antes de terminar vou mencionar algo que estava nos créditos finais, na secção de agradecimentos. Era algo como "por estranho que pareça, obrigado a todos os sites de conteúdo nacionalista extremo por me mostrarem a estupidez dos tempos da ditadura neste país". Pena não conseguir citar exactamente, porque ironizar por escrito nunca foi o meu forte.

Com um sorriso, parabéns, Possidónio.


Sérgio Cruz Serra

DocLisboa - O Segredo

O Segredo

Uma curta de Edgar Feldman que, segundo o próprio, nasceu de "uma raiva minha, devido à vitória de Salazar naquele concurso imbecil da RTP." Com o público a dar-lhe razão, traduzindo-a numa grande salva de palmas, Feldman continua, dizendo algo que ficou como fantasma durante o visionamento do filme: "porque é que as pessoas votaram no Salazar, quando um português muito melhor que ele, António Dias Lourenço, esteve preso durante mais de 10 anos?"

Depois o visionamento. Muitos sorrisos e risadas num assunto sério, o que eu condeno mas, neste caso, até foram bastante convenientes. O senhor António Lourenço, que aos 94 anos revisita a prisão de Peniche, conta-nos com aquele jeito que só os velhotes têm, sempre falando com algum humor. Já não ouvia a expressão "ai, a gaita!" há imenso tempo.

A história: António Dias Lourenço foi um preso político que, de uma forma bastante inteligente, conseguiu evadir-se da prisão de Peniche, conseguindo passar 8 anos em liberdade, antes de voltar a ser preso novamente. "O bom filho sempre retorna a casa" foi o que lhe saiu à laia de cumprimento, dirindo-se ao guarda que já o esperava.

"O segredo" era o nome dado ao que conhecemos como solitária, nos filmes. Gosto de pensar que o Stephen King sabia a história deste senhor antes de escrever o conto que deu origem a Condenados de Shawshank.

Sérgio Cruz Serra

terça-feira, 21 de outubro de 2008

DocLisboa - Black Tears - um retrato de uma "boysband"

Fazem-se os últimos preparativos na sala de espectáculos, um dos músicos experimenta a sua dança à frente do auditório vazio, testam-se os sítios onde ficarão os microfones. Uma rotina para qualquer banda em qualquer parte do mundo. Mas só que esta não é uma banda qualquer: "La Vieja Trova Santiaguera" é um grupo de velhotes cubanos, simples homens do povo com trabalhos honestos que se decidiram juntar na fase final da sua vida para fazerem música. O filme decorre como se fosse um concerto, mas em que as imagens em palco num qualquer país ocidental se intercalam com os ensaios numa qualquer casa ou rua de Havana. As entrevistas sucedem-se, sempre com à vontade e simplicidade. Eles são apenas pedreiros ou carpinteiros reformados, não são artistas sofisticados. Mas o que eles fazem vale mais que isso: espalham a sua cultura e as suas origens pelo mundo fora, sem receios nem problemas em ficar longe de casa durante muito tempo. Porque a música canta mais alto (e como eles bem apregoam, até paralíticos faz andar!).

O filme está muito bem conseguido, com uma boa alternância entre palco e vida de rua, sem esquecer os pequenos pormenores: o amor sincero à família, os desvarios sexuais de juventude ou uma simples dança numa esquina, tudo envolto numa ternura comovente e numa simplicidade tocante. Aconselha-se para levarem uma miúda e depois do cinema irem dar um pézinho de dança num qualquer clube de ritmos latinos =P

Red Race - infância?



Costuma-se dizer que é desde pequenino que se torçe o pepino. Bom, os chineses levam o lema bem a sério, e não é só em relação ao pepino, metem os pequenos a torcerem tudo... No ano em que os Jogos Olímpicos serviram para mostrar a China ao mundo como grande potência, com aparatosas e hitlerianas demonstrações de disciplina e poder (como se viu na inauguração/encerramento dos Jogos) e fantásticos resultados desportivos, fizeram-nos duvidar de tanto sucesso repentino e repensar a questão: porque raio é que as crianças deles conseguem fazer aquelas coisas todas e as nossas nem um sapato sabem atar?

Este é um documentário que investiga a fundo o dia-a-dia dessas crianças: a ausência de infância ingénua, os treinos intensivos, a elevação da figura de treinador á condição de "educador de carácter" (ao longo do filme são frequentes frases como "vais continuar a chorar como um bébé ou vais aguentar até ao fim?" em situações como a imagem acima) e o background familiar que despoleta toda esta febre pela ginástica. O incitamento da noção de estado soberano e da necessidade de o servir a qualquer custo começa desde cedo. Já na creche se canta a China como melhor país do mundo e se fazem desenhos das medalhas Olímpicas. Isto tudo num ambiente em que a competição e o não-desportivismo são modos de vida, e o bem-estar das crianças é posto de parte em prol dos resultados. Por fim, mas mais importante que tudo, há que venerar a coragem e determinação (apesar de impostas à força) das crianças envolvidas e todo o esforço e trabalho ao longo da sua curta vida. Por vezes é fácil ver na televisão meninas a fazer piruetas e achar incrível a forma como competem, mas não temos nem meia noção do elas passam no quotidiano.

Para terminar, há que destacar o trabalho do realizador e da equipa de montagem: o filme ficou extremamente consistente e fluido, com uma estrutura bem simpática, com poucas entrevistas e muitas amostras de pedaços de vida das pessoas envolvidas. Altamente recomendado!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

DocLisboa - Crazy English e Let's Get Lost

Crazy English

Este filme peca por duas coisa, na minha opinião. Primeiro, estamos a seguir uma pessoa do tipo que eu não gosto, seja de que nacionalidade fôr: excessivamente nacionalista, excessivamente convencida do seu sucesso, apregoando-o quando qualquer oportunidade surge - ou até inventando oportunidades para se auto-adular -, com toda uma cena de "para vos ajudar, vou-vos humilhar", "vocês estão a aprender inglês para que possam ganhar muito dinheiro", etc, etc, etc. Em segundo lugar, o tempo excessivo.
O realizador, neste último item, nem teve culpa. Ele disponibilizou uma cópia mais curta do filme, em beta, mas a produção do festival, em busca de uma forma mais nobre de passar o filme, conseguiu arranjar a cópia em película, cópia que nem o próprio realizador sabia que existia. Resultado: mais de hora e meia de filme, com conteúdo repetido (não as cenas, apenas o conteúdo, as aulas do senhor que eram bastante metódicas, mas repetitivas, para que os alunos pudessem aprender bem a pronúncia dos americanos).

E pronto, tal como no We (Wo Men), que visionei no dia anterior, no fim do filme apeteceu-me correr para fora da Culturgest para poder sacudir o vermelho que domina aquele auditório.


Let's Get Lost

Não me apetece falar aqui do filme propriamente dito. Fico-me só por uma frase: está bem montado, está esteticamente apetecível, e creio que o realizador faz um bom trabalho a evocar o contraste entre os "bons velhos tempos" e o declínio de uma pessoa.
Atirando estes preciosismos para trás das costas, vamos falar de Chet Baker.


Quando contactamos com o antigo Chet Baker, vem-nos à cabeça um Jeff Buckley. Quando se fala de música mais recente, alguns nomes são atirados ao ar com um certo pesar: Eliott Smith, Jeff Buckley, promessas feitas e nunca totalmente exploradas. Também podemos falar dos outros todos: Kurt Cobain, Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix. Com Chet Baker a diferença é que ele teve muito mais tempo para se desenvolver, mas apenas conseguiu transformar o seu sucesso numa vida mais pessoal, mais reservada. Não é comparável portanto a um George Best, que mesmo depois do futebol conseguia imprimir escândalos em qualquer jornal que ande à procura deles.

Dizia eu que, nas imagens dos anos 50, vem à cabeça um Jeff Buckley. Ambos morreram por acidente, ambos tinham uma voz doce e ambos apareceram assim do nada, capazes de revolucionar um estilo musical apenas armados com um talento que lhes parecia fácil passar para a música. A grande diferença é que Jeff Buckley morreu cedo e, pelo menos até me provarem o contrário, com menos sangue à lá Keith Richards nas veias. Mas fico a pensar em como seria a vida de Jeff caso o seu tempo não tivesse chegado ao fim... e, infelizmente, continuei a traçar comparações ao longo da vida de Chet Baker, neste documentário.

Chet Baker era, como já mencionei, alguém a quem a fotogenia passou a ser determinante na sua carreira. Como um fotógrafo mencionou, "eu estava lá para cobrir um evento, no entanto a minha objectiva pousava sempre na sua cara", e as mulheres reparavam nisso... Outra personagem, masculina, menciona um momento em que estava a ouvir Chet Baker e tentou meter conversa com uma senhora que estava ao seu lado. Ela diz-lhe "peço desculpa, mas não fale comigo. Neste momento estou apaixonada pelo Chet Baker", ao que ele responde: "Também eu...".

Inevitavelmente, para quem tratava a maior parte das drogas por "tu", Chet Baker chocou toda a gente na audiência que não lhe era familiar ao mostrar, na década de 80, uma cara com a pele agarrada ao crânio, os olhos sempre semicerrados, a boca a não querer fazer muito esforço para falar, um mapa topológico de uma zona muito montanhosa, e cheia de rios, em vez de cara lisa e doce de outros tempos. A dentadura veio quando, num presumível ajuste de contas (negado por Chet, que prefere contar a história de uma forma mais à Conan Doyle, com vilões à espera debaixo de escadas), alguém lhe arrancou os dentes, um a um, tornando impossível o tocar de trompete - sua imagem de marca - durante uns anos.

Portanto, perdoe-me quem acha que a comparação com Jeff Buckley é absurda, mas a imagem, de uma pessoa promissora que entretanto desaparece, não me sai da cabeça. Apesar do Jeff não ter tido tanta culpa nisso. Ambas as vidas parecem ter acabado cedo, e apenas a música continuou. No caso de Chet Baker, estava lá o corpo a acompanhá-la.

Após conhecermos uma vida atribulada, com direito a prisão, um acesso fácil a drogas, e um grande talento musical, o realizador revela-nos as mulheres do músico. E aí é que um Chet Baker muito gasto começa a falar com alguma reserva.

A primeira mulher, que o próprio tem dificuldade em lembrar o nome, não é muito mencionada. A segunda, Halima, deu-lhe um filho do qual ele não sabe muito - "anda por aí, não pára em nenhum sítio, gosta de cães". A terceira, juntamente com os seus três filhos, só sabe falar dele amargamente, chamando "cabras" às amantes, esperando que ele apareça para ajudar nas finanças da casa.

E isto foi o que me entristeceu no filme. Parecia que ninguém o via como pessoa. Como uma das amantes mencionou "ele representava tudo o que eu amava na vida. O jazz." Então e a pessoa? Ouvindo estas coisas, não me admira que o seu mundo passasse a ser as drogas ou o álcool. Se eu fosse apenas um produto, imaterial como a música, não pensaria tanto no mal que a droga faz ao corpo. Afinal de contas, a música não apanha uma overdose.

Na década de 70, Chet Baker reaparece, gravando álbuns dispersos por várias editoras e - após treinar a sua nova dentadura - com um toque de trompete mais vivo e mais jazzy. Esta fase durou até à sua morte, em 1988.

O filme culmina com um "espectáculo" em Cannes. As aspas são necessárias neste caso porque, como diz o músico, "toquei para um público três vezes maior que este e não se ouvia um alfinete a cair. Este é o pior público para se tocar...". Após pedir silêncio, pois era "uma música que o requer", lá cantou e encantou, quase fazendo crer que as rugas eram causadas pela transfiguração da sua face em dor, enquanto canta, e não pela heroína. Dando-nos a ilusão de que aquela cara era inevitável, mesmo tirando as drogas.

Aconselhável a todos os fãs de jazz, mas desaconselhável a todos os fãs de jazz... isto faz sentido, se pensarem um bocado no assunto. Eu gostei.*

Sérgio Cruz Serra

Crazy English repete hoje, dia 20, às 21:30, no Museu do Oriente.
Let's Get Lost repete hoje, dia 20, às 23:30, na sala 3 do S. Jorge.

*Ouvir jazz coloca-me num episódio de Peanuts. Gosto, mas passado um bocado começo a andar num passo esquisito, com um cão branco e preto a meu lado e caio sempre que tento pontapear uma bola. Miúda estúpida.

sábado, 18 de outubro de 2008

DocLisboa - We (Wo Men) e Gonzo: The Life And Work of Dr. Hunter S. Thompson

We (Wo Men)

Este filme relata a luta travada por alguns indivíduos chineses para alterar o estado da sua nação.
Só isto. Infelizmente, a ideia - que consegue atingir-nos logo nos primeiros 10 minutos - arrasta-se por um filme que, no catálogo, tem 102 minutos - apenas no catálogo, pois na vida real tirou-me anos de vida.
Compreendo e respeito bastante o tema mas, como longa metragem, o filme acaba por perder a nossa aprovação.
Um bom filme que nos coloca na pele de quem quer fazer a revolução no seu país. Um mau filme para quem sente a sua pele bem aconchegada numa cadeira de cinema.


Gonzo: The Life and Work of Dr. Hunter S. Thompson

"Dirty old man..."
Uma expressão que eu, como muito boa gente, geralmente associa a Charles Bukowski. Concordo plenamente: uma vida cheia de mulheres, apostas, drogas e álcool, muito álcool, dá justamente esse "título" a uma pessoa. Mas nunca tinha pensado na expressão "dirty young man" até ver hoje o documentário sobre Hunter S. Thompson.
Hunter S. Thompson pode não ser muito conhecido para nós, Europeus - algo que mudaria se não tivesse tirado a sua própria vida em 2005, e se tivesse continuado com o seu estilo jornalístico durante os anos de G. W. Bush. Aí sim, eu assinaria a Rolling Stone.

Mas conhecemos bem a personagem Raoul Duke do filme Fear and Loathing in Las Vegas - Delírio em Las Vegas, encarnada por Johnny Depp, que não é mais do que o alter ego deste senhor Hunter Thompson durante uma viagem feita a, como o nome indica, Las Vegas. Porém, a viagem que o filme de Terry Gillian tão alucinantemente descreve - com um argumento que parece ter saído da máquina de escrever em forma de insecto de William Burroughs - é apenas uma gota de água num copo já de si muito cheio (e se estava cheio de whisky tem sido, de tempos a tempos, esvaziado por Hunter).


Se o filme de Gillian é uma viagem repleta de alucinogénicos, este Gonzo: The Life and Work of Dr. Hunter S. Thompson é como consumir um cocktail de drogas, misturar com whisky, entrar numa montanha russa e ler o Naked Lunch todo numa só hora. A injecção de informação, em ritmo acelerado, faz prever uma ressaca muito grande, amanhã.

Em busca do American Way of Life, Hunter S. Thompson agarra-se à filosofia de Timothy Leary - trocando a música tibetana por Rock'N'Roll -, segue os infames Hell's Angels, tenta concorrer ao cargo de xerife na pacata terra de Aspen - antes das estâncias de ski, presumo -, apoia candidatos políticos (por "apoio" entenda-se "estragar a vida dos políticos da oposição"), atingindo depois um estatuto como escritor, com fama apenas comparável à das estrelas de rock.
Com um humor fora de série, bem presente nos seus artigos para a Rolling Stone, Hunter S. Thompson ainda era visto como um excêntrico, facto auxiliado pelo seu apetite por auto-destruição. Com aparentes problemas mentais, podemos ver esta pessoa como a base para a personagem R.P. McMurphy de Ken Kesey - também mencionado neste filme -, do livro (e filme) Voando Sobre um Ninho de Cucos.
Extrovertido, amante de drogas, mulheres e armas, dava com as suas palavras um tiro certeiro no estado actual da sua sociedade. E, se não encontrou o American Way of Life, acabou por criar o Hunter S. Thompson's Way of Life.

Se não havia notícia, ele criava-a. Num dos (vários) momentos hilariantes do filme, e ilustrando um óptimo exemplo do estilo jornalístico gonzo, discute-se a possibilidade de um político estar viciado na droga Ibogaine. Alguém perguntou a Thompson se era verdade que esse rumor tinha começado em Milwaukee. A resposta foi "claro que é verdade, fui eu que o comecei. E, sendo verdade, agora sabem que sou um jornalista sério".

Tudo isto temos neste filme, com o extra de ter Johnny Depp a "repetir o papel de Hunter", narrando as palavras que agora só podem ser lidas, que nunca foram nem serão proferidas em voz alta pelo escritor - com aquele ritmo único, quase musical, a substituir a sua voz.

Imperdível, mesmo para - ou especialmente para - quem não conhece o trabalho de Hunter S. Thompson.
Refraseando: imperdível para todos aqueles que ainda não estão convencidos do ditado "a caneta é mais forte que a espada". Hunter podia não escrever com caneta, mas a sua máquina de escrever certamente fez vacilar exércitos.


Assim me despeço pois quero agora ir ver o Fear And Loathing in Las Vegas. Aproveitar a embalagem.
Tenho aqui whisky e um monte de cigarros - agora, onde vou encontrar uma boquilha para os segurar, a esta hora da noite...?

Sérgio Cruz Serra


Gonzo... repete dia 23 de Outubro, às 20h30, na sala 1 dos cinemas Londres.
We (Wo Men) repete dia 19, às 21:30, no Museu do Oriente, e dia 21 de Outubro, às 15h, na sala 1 dos cinemas Londres.

DocLisboa - American Swing

Ontem, ao olhar de relance pelo programa do DocLisboa, percebi que a tarefa de ver muitos filmes era impossível. A tarefa de fazer dos filmes pessoas e tornar-me elitista era bem mais fácil, e foi isso que fiz.
O plano era, portanto: ver o Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa - o qual me fala sempre de bom humor e tem um jogo de ping pong tão bom como o meu (o que acaba por não ser um elogio); depois de um jantar, ir ver o Titicut Folies de Frederick Wiseman, um dos realizadores homenageados pelo festival; e, no fim da noite tentar apanhar o American Swing, de Jon Hart e Mathew Kaufman, porque simplesmente achei que era altura de me introduzir nesta prática tão corrente nos dias de hoje...

... Estou a falar de ir ver filmes ao DocLisboa, e não em praticar swing, mas obrigado pelos mails que têm enviado a combinar locais... podem parar (os mails com as fotos das mulheres podem continuar...).

Bem, como podem ver que no titulo do post só está um filme, dá para perceber que não consegui ir aos dois.

Primeiro tive de levar o meu carro ao mecanico, pois ele ainda não vai sozinho. Depois, aquele jantar que mencionei acima transformou-se numa jantarada, com esgares de dor por ver perto, tanto a hora do filme, como o meu copo constantemente a encher de vinho.

Mas chega de mim. Falemos do DocLisboa e do filme que vi ontem. Foi só um, portanto.

American Swing

Alguém se lembra de um jogo de computador da década de 80 chamado Leisure Suit Larry?
O jogo - e a série de jogos que o primeiro desencadeou - tinha como personagem um senhor chamado Larry Laffer, que tinha como objectivo de vida ter sexo com todas as mulheres que respirassem perto dele. Quem joga o jogo nota o seu sentido de humor, a sua fraca inteligência, a sua atracção para os problemas - uma personalidade que, estando misturada com as situações loucas com que o seu dono se confronta, é a base da receita para uns momentos bem passados de humor politicamente incorrecto.

Foi assim que enfrentei American Swing. Tendo sempre em mente que o Larry Lavenson que eu estava a ver no grande ecrã me fazia lembrar de Larry Laffer, até a roupa era igual. O problema é que este último é uma personagem fictícia e o primeiro é - ou era - uma personagem bem real, tão real na América dos anos 70 como em Portugal dos anos 50, 60, 70, 80, e por aí adiante.
Iletrado, fascinou-me a capacidade de argumentação num tema que choca qualquer sociedade conservadora - a troca de casais (porém eu ontem não vi grandes trocas, mas sim grandes misturas... mistura de casais se calhar era um tema mais adequado (mas havia também pessoal solteiro lá no meio... ok, troquemos "casais" por "fluidos" e "troca" por "mistura" - mistura de fluidos! ahhh, bem mais agradável)), ou seja, sexo sem complicações, sem remorsos, e num local onde podes dar um pézinho de dança antes, durante ou depois do(s) acto(s) em si.

Sim, é este o tema do filme. Sexo. Troca de casais. Sexo. Sexo. Tudo isto se passava no Plato's Retreat, um dos locais ao mesmo tempo in e ao mesmo tempo underground de Nova York no fim da década de 70 e início da década de 80.

Admito que, ao ver as gravações, senti uma pontada de inveja pelas imagens que chegavam da década de 70, imagens desfocadas pelo suor colado à objectiva e pelo fumo do cigarro de Larry Lavenson, imagens que mostravam pessoas jovens sem qualquer tipo de inibição, pessoas que acreditavam na revolução cultural em que se estavam, literalmente, a inserir.
E depois vivia-se um período pré-SIDA, em que o significado de sexo livre era literal.

No entanto - e daqui vem o carácter cómico do documentário - quem faz de metrónomo do filme, dando-lhe ritmo e jovialidade, são as pessoas que viveram os dias de glória do Plato's Retreat. Ok, se calhar não há tanta jovialidade, porque as entrevistas são feitas actualmente, numa altura em que os peitos firmes de outrora são o brinquedo onde o gato lá de casa se balança. Para dar uma pequena ilustração, imaginem um velhote de olhos bem abertos, à beira de um ataque cardíaco, a falar de sexo como se tivesse sido ontem à noite. Ou o que dizer daquele casal, tipicamente Nova York'ino, que fala das suas experiências no infame local, ele interrompendo-a, ela a especificar com quantas mulheres se envolveu, ambos a dizer algo que ainda consegue surpreender o cônjugue.

É isto American Swing. Uma boa viagem pelo mundo do sexo de Nova York, convencendo-me de que o melhor sítio para se estar chamava-se Plato's Retreat.

Agora vou de novo olhar para a programação, a ver se consigo apanhar mais que um filme hoje...
Quanto ao Titicut Follies, repete dia 26 de Outubro, às 22:30, na sala 1 do Londres.

O Adeus à Brisa passa de novo dia 20 de Outubro, às 23:00, no Grande Auditório da Culturgest. Quem quer vir comigo?

Sérgio Cruz Serra

terça-feira, 8 de abril de 2008

(MAIS) REVOLTA

"My Sassy Girl. Um dos meus filmes preferidos."
Vou deixar de poder dizer isto graças a um belo remake.
Sim, estou a ser irónico com o "belo".
Porque é que os americanos fazem isto? Para quê a necessidade de americanizar algo?
Temos vários exemplos recentes de filmes e séries de sucesso que foram copiados a papel quimico e a única pergunta que faço é "Porquê?". Nalguns casos uma pessoa até diz que pode fazer sentido: o "Funny Games" originalmente é em alemão; o "The Ring" originalmente é em japonês; o "Shutter" é tailandês; o meu "My Sassy Girl" é koreano; e os americanos não curtem ler legendas...
Mas expliquem-me o porquê de copiar o argumento, linha a linha, das séries The Office, ou Coupling. E agora já sei que ao falar de "My Sassy Girl", as pessoas vão pensar no outro, o americano.

Mas para mim só há um.

Comparem os trailers:

O original:



O outro...



Quem comentar a discordar comigo não ganha mais nenhum passatempo. Não se discorda com uma pessoa revoltada - bate-se nas costas e diz-se "pronto, pronto, isso já passa...".

sábado, 22 de março de 2008

Inauguração do Blog Cinema ParaIST

Olá!

Eu, abaixo assinado, declaro aberto o blog Cinema ParaIST, ponto de encontro para todos aqueles boémios cinéfilos, pelo menos aqueles que andam no Instituto Superior Técnico.

Não sendo grande fã da blogosfera, estou bastante reticente em vender o meu querido núcleo para este media, mas ouvi dizer que a míudas curtem, e assim cá está.

Mas admito que é uma boa forma de obtermos mais feedback da vossa parte e para fornecermos mais informação, sempre que queremos, sem que as coisas estejam sempre a passar por aquele escravo que cuida do site principal (http://www.cinemaparaist.pt.to). Esse senhor, que se entrega a fundo em todos os trabalhos que se lhe deparam. Esse jovem, esbelto, de cabelo farto, que perde horas e horas de sono, tudo para fazer com que a comunidade em que ele se encontra inserida seja uma comunidade melhor, mais produtiva, mais culta. É este o agradecimento que ele tem... um blog... f****-se.

Passo a palavra a quem de facto pode escrever algo de jeito. Não sei quando é que eles vão escrever, mas agora podem. E é esse o objectivo.

Com um misto de revolta e bem-estar,

Sérgio Cruz Serra