segunda-feira, 27 de outubro de 2008

o meu amigo mike ao trabalho


[CÂMARA ON]

Por vezes vemos um quadro de pintura contemporânea e não percebemos o seu significado. Ou por falta de contexto, ou por pura preguiça em olhar com olhos de ver. Ora bem, aqui está a forma ideal de ultrapassar esse estigma e perceber a forma como um quadro deste género é pintado. O filme envolve-nos em todo o processo criativo: desde a escolha da tela até à simples espera do artista a olhar para o quadro à espera que este o diga o que fazer. Michael Biberstein é o artista, Fernando Lopes é o realizador. O primeiro expõe a sua forma de criação enquanto o segundo nos mostra a sua visão dessa mesma forma.

Vamos por partes: o processo criativo de Michael consiste em sobrepôr camadas de tinta sobre tela molhada, uma por dia, de forma a que a cor resultante seja sempre uma incógnita ao final de cada dia, e uma surpresa no dia seguinte (devido à secagem natural da tela). Assim, a obra não é apenas parte integrante da criatividade do artista, mas também da própria personalidade do quadro e do ambiente que o rodeia (além da "osmose" entre diferentes camadas, ou seja, a forma como diferentes dias de trabalho interagem entre si). Toda esta história de amor, esta intimidade entre quadro, artista e ambiente, é registada por uma pedra colocada à frente do quadro onde Michael deita os restos de tinta não usasa, no final de cada dia. Assim, a pedra surge como um diário e, na verdade, acaba por ser a entidade que mais sabe sobre a obra, a que acompanhou na primeira pessoa toda o processo criativo (o artista no final do dia ia para casa!).

Bom, agora o lado cinematográfico da coisa: Fernando Lopes trabalhou este filme com muitas sobreposições de imagem, como que diferentes camadas de filmes numa analogia ao próprio quadro. E devido à busca de "serenidade em movimento" levada a cabo pela obra, são frequentes as sobreposições com imagens de nuvens (boa metáfora). Além disso, brinca muito com o conceito de presença e/ou vazio da cadeira do atelier, onde o artista pensava sobre a obra (o tal diálogo com o quadro). Por fim, há que destacar a honestidade do próprio documentário, com Michael a falar sobre a sua própria relação com a câmara (o elemento perturbador, visto estar habituado a trabalhar sozinho no seu atelier).

[CÂMARA OFF]

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