sexta-feira, 31 de outubro de 2008
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
o meu amigo mike ao trabalho
[CÂMARA ON]
Por vezes vemos um quadro de pintura contemporânea e não percebemos o seu significado. Ou por falta de contexto, ou por pura preguiça em olhar com olhos de ver. Ora bem, aqui está a forma ideal de ultrapassar esse estigma e perceber a forma como um quadro deste género é pintado. O filme envolve-nos em todo o processo criativo: desde a escolha da tela até à simples espera do artista a olhar para o quadro à espera que este o diga o que fazer. Michael Biberstein é o artista, Fernando Lopes é o realizador. O primeiro expõe a sua forma de criação enquanto o segundo nos mostra a sua visão dessa mesma forma.
Vamos por partes: o processo criativo de Michael consiste em sobrepôr camadas de tinta sobre tela molhada, uma por dia, de forma a que a cor resultante seja sempre uma incógnita ao final de cada dia, e uma surpresa no dia seguinte (devido à secagem natural da tela). Assim, a obra não é apenas parte integrante da criatividade do artista, mas também da própria personalidade do quadro e do ambiente que o rodeia (além da "osmose" entre diferentes camadas, ou seja, a forma como diferentes dias de trabalho interagem entre si). Toda esta história de amor, esta intimidade entre quadro, artista e ambiente, é registada por uma pedra colocada à frente do quadro onde Michael deita os restos de tinta não usasa, no final de cada dia. Assim, a pedra surge como um diário e, na verdade, acaba por ser a entidade que mais sabe sobre a obra, a que acompanhou na primeira pessoa toda o processo criativo (o artista no final do dia ia para casa!).
Bom, agora o lado cinematográfico da coisa: Fernando Lopes trabalhou este filme com muitas sobreposições de imagem, como que diferentes camadas de filmes numa analogia ao próprio quadro. E devido à busca de "serenidade em movimento" levada a cabo pela obra, são frequentes as sobreposições com imagens de nuvens (boa metáfora). Além disso, brinca muito com o conceito de presença e/ou vazio da cadeira do atelier, onde o artista pensava sobre a obra (o tal diálogo com o quadro). Por fim, há que destacar a honestidade do próprio documentário, com Michael a falar sobre a sua própria relação com a câmara (o elemento perturbador, visto estar habituado a trabalhar sozinho no seu atelier).
[CÂMARA OFF]
blind loves - histórias de amor
E é estúpido pensar o contrário.
Este filme conta com uma simplicidade desarmante pequenas histórias sobre várias pessoas e a forma como elas encaram o amor. Estas pessoas são cegas mas poderiam não ser, esse é apenas um pormenor. E apesar das diferenças que esse "pequeno" pormenor implicam, essas pessoas conseguem levar uma vida amorosa como todas as outras. Com a "pequena" diferença que a veêm de outra forma. Aqui não há lugar para falsas assumpções de beleza induzidas pela nossa sociedade consumista de revistas e programas de televisão recheados e salpicados de caras bonitas (?), aqui conta apenas o interior. Como deveria ser. Ora a forma como estas pessoas vivem o amor com as suas mentes não corrumpidas é aqui retratado recorrendo à mais bela técnica de realização de cinema - nós não estamos a ver um filme, estamos numa cadeira na cozinha do casal de meia idade que apesar da cegueira corta as batatas para o jantar em conjunto, no pequeno quarto de hospital onde uma jovem grávida tenta acalmar a ansiedade de descobrir se a sua condição vai passar para o seu rebento, no rebelde casal de namorados que tenta a todo o custo ir acampar um fim de semana sem os pais saberem, na adolescente que fala num chat de internet com um rapaz desconhecido como qualquer outra adolescente, etc etc... um sem número de pequenas situações, pedaços de vida que sentimos, não como se fossemos nós (porque é impossível imaginarmos a forma de vida deles), mas como se fossem nossos amigos e conhecidos. É uma constante em todo o filme, essa aproximação que sentimos aos protagonistas. E é isso que interessa...
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
DocLisboa - My Enemy's Enemy
Apesar do nome feminino e infantil, este foi um dos maiores carniceiros nazis durante da 2º Guerrra Mundial. Conhecido por ter morto o líder da resistência francesa e exterminado 44 crianças duma creche judaica, era um mestre na “arte” do interrogatório e tortura, além de ter informadores por toda a Europa a trabalhar para ele. Por estas razões, depois da guerra, foi contratado a peso de ouro pelos serviços secretos americanos. Apesar da pressão exercida pela França para ser extraditado e julgado no país, sempre foi defendido pelos americanos em nome do combate ao comunismo.
Este é um filme que levanta a questão (sempre na ordem do dia): “até onde podem ir as autoridades em nome do combate ao crime?” Do lado americano a resposta é sem dúvida que os fins justificam os meios e, nessa linha de pensamento, não é estranho que eles tenham albergado e protegido um dos maiores assassinos da história, apenas para aproveitar os seus conhecimentos e contactos... Este “simpático” senhor ainda fez das suas na América Latina, onde organizou um golpe de estado para implantar uma ditadura nazi na Bolívia (o IV Reich dos Andes).
O documentário está construído de forma exemplar, apesar de pouco aventureira: consiste na sua maioria, em entrevistas e imagens de arquivo, aqui e ali seguidas por uma voz off sempre pertinente. Resumindo, é um filme muito interessante, que disseca de forma irónica a hipocrisia do Ocidente, que sempre se auto-intitulou de bom da fita, em oposição ao Médio Oriente, União Soviética, etc.
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
DocLisboa - O Adeus à Brisa
Neste filme conhecemos a parte de Urbano Tavares Rodrigues num diálogo honesto, no qual é-nos revelada a vida do escritor tendo como pano de fundo os anos de ditadura em Portugal.
Imagens do Alentejo, que me derretem sempre e dão comichão à minha costela alentejana; música revolucionária, que tanto se tornou cliché de tão bradada que é nos programas sobre o 25 de Abril; histórias de juventude, sobre mulheres, viagens, amigos, familiares. Uma boa hora, bem passada.
Fiquei fascinado com a quantidade de livros que ele tem, especialmente quando soube que há muitos anos, grande parte da sua colecção tinha sido queimada pela censura do regime.
Conhecendo o realizador, Possidónio Cachapa - também ele escritor -, fiquei com um sorriso na cara por ver uma homenagem tão frontal, tão genuína e - ok, vou usar o termo - tão querida, que não lhe consegui dizer nada no fim do filme. Sorri, dei-lhe os parabéns, murmurei um "qualquer filme que mostre o Alentejo, para mim... lá no topo", e segui caminho.
Também não sei que dizer muito mais. Vejam o filme, que eu vou comprar uns quantos livros de Urbano Tavares Rodrigues, para ver se alguém destrona a anglofonia das minhas estantes.
Antes de terminar vou mencionar algo que estava nos créditos finais, na secção de agradecimentos. Era algo como "por estranho que pareça, obrigado a todos os sites de conteúdo nacionalista extremo por me mostrarem a estupidez dos tempos da ditadura neste país". Pena não conseguir citar exactamente, porque ironizar por escrito nunca foi o meu forte.
Com um sorriso, parabéns, Possidónio.
Sérgio Cruz Serra
DocLisboa - O Segredo
Uma curta de Edgar Feldman que, segundo o próprio, nasceu de "uma raiva minha, devido à vitória de Salazar naquele concurso imbecil da RTP." Com o público a dar-lhe razão, traduzindo-a numa grande salva de palmas, Feldman continua, dizendo algo que ficou como fantasma durante o visionamento do filme: "porque é que as pessoas votaram no Salazar, quando um português muito melhor que ele, António Dias Lourenço, esteve preso durante mais de 10 anos?"
Depois o visionamento. Muitos sorrisos e risadas num assunto sério, o que eu condeno mas, neste caso, até foram bastante convenientes. O senhor António Lourenço, que aos 94 anos revisita a prisão de Peniche, conta-nos com aquele jeito que só os velhotes têm, sempre falando com algum humor. Já não ouvia a expressão "ai, a gaita!" há imenso tempo.
A história: António Dias Lourenço foi um preso político que, de uma forma bastante inteligente, conseguiu evadir-se da prisão de Peniche, conseguindo passar 8 anos em liberdade, antes de voltar a ser preso novamente. "O bom filho sempre retorna a casa" foi o que lhe saiu à laia de cumprimento, dirindo-se ao guarda que já o esperava.
"O segredo" era o nome dado ao que conhecemos como solitária, nos filmes. Gosto de pensar que o Stephen King sabia a história deste senhor antes de escrever o conto que deu origem a Condenados de Shawshank.
Sérgio Cruz Serra
terça-feira, 21 de outubro de 2008
DocLisboa - Black Tears - um retrato de uma "boysband"
O filme está muito bem conseguido, com uma boa alternância entre palco e vida de rua, sem esquecer os pequenos pormenores: o amor sincero à família, os desvarios sexuais de juventude ou uma simples dança numa esquina, tudo envolto numa ternura comovente e numa simplicidade tocante. Aconselha-se para levarem uma miúda e depois do cinema irem dar um pézinho de dança num qualquer clube de ritmos latinos =P
Red Race - infância?
Costuma-se dizer que é desde pequenino que se torçe o pepino. Bom, os chineses levam o lema bem a sério, e não é só em relação ao pepino, metem os pequenos a torcerem tudo... No ano em que os Jogos Olímpicos serviram para mostrar a China ao mundo como grande potência, com aparatosas e hitlerianas demonstrações de disciplina e poder (como se viu na inauguração/encerramento dos Jogos) e fantásticos resultados desportivos, fizeram-nos duvidar de tanto sucesso repentino e repensar a questão: porque raio é que as crianças deles conseguem fazer aquelas coisas todas e as nossas nem um sapato sabem atar?
Este é um documentário que investiga a fundo o dia-a-dia dessas crianças: a ausência de infância ingénua, os treinos intensivos, a elevação da figura de treinador á condição de "educador de carácter" (ao longo do filme são frequentes frases como "vais continuar a chorar como um bébé ou vais aguentar até ao fim?" em situações como a imagem acima) e o background familiar que despoleta toda esta febre pela ginástica. O incitamento da noção de estado soberano e da necessidade de o servir a qualquer custo começa desde cedo. Já na creche se canta a China como melhor país do mundo e se fazem desenhos das medalhas Olímpicas. Isto tudo num ambiente em que a competição e o não-desportivismo são modos de vida, e o bem-estar das crianças é posto de parte em prol dos resultados. Por fim, mas mais importante que tudo, há que venerar a coragem e determinação (apesar de impostas à força) das crianças envolvidas e todo o esforço e trabalho ao longo da sua curta vida. Por vezes é fácil ver na televisão meninas a fazer piruetas e achar incrível a forma como competem, mas não temos nem meia noção do elas passam no quotidiano.
Para terminar, há que destacar o trabalho do realizador e da equipa de montagem: o filme ficou extremamente consistente e fluido, com uma estrutura bem simpática, com poucas entrevistas e muitas amostras de pedaços de vida das pessoas envolvidas. Altamente recomendado!
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
DocLisboa - Crazy English e Let's Get Lost
Este filme peca por duas coisa, na minha opinião. Primeiro, estamos a seguir uma pessoa do tipo que eu não gosto, seja de que nacionalidade fôr: excessivamente nacionalista, excessivamente convencida do seu sucesso, apregoando-o quando qualquer oportunidade surge - ou até inventando oportunidades para se auto-adular -, com toda uma cena de "para vos ajudar, vou-vos humilhar", "vocês estão a aprender inglês para que possam ganhar muito dinheiro", etc, etc, etc. Em segundo lugar, o tempo excessivo.
O realizador, neste último item, nem teve culpa. Ele disponibilizou uma cópia mais curta do filme, em beta, mas a produção do festival, em busca de uma forma mais nobre de passar o filme, conseguiu arranjar a cópia em película, cópia que nem o próprio realizador sabia que existia. Resultado: mais de hora e meia de filme, com conteúdo repetido (não as cenas, apenas o conteúdo, as aulas do senhor que eram bastante metódicas, mas repetitivas, para que os alunos pudessem aprender bem a pronúncia dos americanos).
E pronto, tal como no We (Wo Men), que visionei no dia anterior, no fim do filme apeteceu-me correr para fora da Culturgest para poder sacudir o vermelho que domina aquele auditório.
Let's Get Lost
Não me apetece falar aqui do filme propriamente dito. Fico-me só por uma frase: está bem montado, está esteticamente apetecível, e creio que o realizador faz um bom trabalho a evocar o contraste entre os "bons velhos tempos" e o declínio de uma pessoa.
Atirando estes preciosismos para trás das costas, vamos falar de Chet Baker.
Quando contactamos com o antigo Chet Baker, vem-nos à cabeça um Jeff Buckley. Quando se fala de música mais recente, alguns nomes são atirados ao ar com um certo pesar: Eliott Smith, Jeff Buckley, promessas feitas e nunca totalmente exploradas. Também podemos falar dos outros todos: Kurt Cobain, Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix. Com Chet Baker a diferença é que ele teve muito mais tempo para se desenvolver, mas apenas conseguiu transformar o seu sucesso numa vida mais pessoal, mais reservada. Não é comparável portanto a um George Best, que mesmo depois do futebol conseguia imprimir escândalos em qualquer jornal que ande à procura deles.
Dizia eu que, nas imagens dos anos 50, vem à cabeça um Jeff Buckley. Ambos morreram por acidente, ambos tinham uma voz doce e ambos apareceram assim do nada, capazes de revolucionar um estilo musical apenas armados com um talento que lhes parecia fácil passar para a música. A grande diferença é que Jeff Buckley morreu cedo e, pelo menos até me provarem o contrário, com menos sangue à lá Keith Richards nas veias. Mas fico a pensar em como seria a vida de Jeff caso o seu tempo não tivesse chegado ao fim... e, infelizmente, continuei a traçar comparações ao longo da vida de Chet Baker, neste documentário.
Chet Baker era, como já mencionei, alguém a quem a fotogenia passou a ser determinante na sua carreira. Como um fotógrafo mencionou, "eu estava lá para cobrir um evento, no entanto a minha objectiva pousava sempre na sua cara", e as mulheres reparavam nisso... Outra personagem, masculina, menciona um momento em que estava a ouvir Chet Baker e tentou meter conversa com uma senhora que estava ao seu lado. Ela diz-lhe "peço desculpa, mas não fale comigo. Neste momento estou apaixonada pelo Chet Baker", ao que ele responde: "Também eu...".
Inevitavelmente, para quem tratava a maior parte das drogas por "tu", Chet Baker chocou toda a gente na audiência que não lhe era familiar ao mostrar, na década de 80, uma cara com a pele agarrada ao crânio, os olhos sempre semicerrados, a boca a não querer fazer muito esforço para falar, um mapa topológico de uma zona muito montanhosa, e cheia de rios, em vez de cara lisa e doce de outros tempos. A dentadura veio quando, num presumível ajuste de contas (negado por Chet, que prefere contar a história de uma forma mais à Conan Doyle, com vilões à espera debaixo de escadas), alguém lhe arrancou os dentes, um a um, tornando impossível o tocar de trompete - sua imagem de marca - durante uns anos.
Portanto, perdoe-me quem acha que a comparação com Jeff Buckley é absurda, mas a imagem, de uma pessoa promissora que entretanto desaparece, não me sai da cabeça. Apesar do Jeff não ter tido tanta culpa nisso. Ambas as vidas parecem ter acabado cedo, e apenas a música continuou. No caso de Chet Baker, estava lá o corpo a acompanhá-la.
Após conhecermos uma vida atribulada, com direito a prisão, um acesso fácil a drogas, e um grande talento musical, o realizador revela-nos as mulheres do músico. E aí é que um Chet Baker muito gasto começa a falar com alguma reserva.
A primeira mulher, que o próprio tem dificuldade em lembrar o nome, não é muito mencionada. A segunda, Halima, deu-lhe um filho do qual ele não sabe muito - "anda por aí, não pára em nenhum sítio, gosta de cães". A terceira, juntamente com os seus três filhos, só sabe falar dele amargamente, chamando "cabras" às amantes, esperando que ele apareça para ajudar nas finanças da casa.
E isto foi o que me entristeceu no filme. Parecia que ninguém o via como pessoa. Como uma das amantes mencionou "ele representava tudo o que eu amava na vida. O jazz." Então e a pessoa? Ouvindo estas coisas, não me admira que o seu mundo passasse a ser as drogas ou o álcool. Se eu fosse apenas um produto, imaterial como a música, não pensaria tanto no mal que a droga faz ao corpo. Afinal de contas, a música não apanha uma overdose.
Na década de 70, Chet Baker reaparece, gravando álbuns dispersos por várias editoras e - após treinar a sua nova dentadura - com um toque de trompete mais vivo e mais jazzy. Esta fase durou até à sua morte, em 1988.
O filme culmina com um "espectáculo" em Cannes. As aspas são necessárias neste caso porque, como diz o músico, "toquei para um público três vezes maior que este e não se ouvia um alfinete a cair. Este é o pior público para se tocar...". Após pedir silêncio, pois era "uma música que o requer", lá cantou e encantou, quase fazendo crer que as rugas eram causadas pela transfiguração da sua face em dor, enquanto canta, e não pela heroína. Dando-nos a ilusão de que aquela cara era inevitável, mesmo tirando as drogas.
Aconselhável a todos os fãs de jazz, mas desaconselhável a todos os fãs de jazz... isto faz sentido, se pensarem um bocado no assunto. Eu gostei.*
Sérgio Cruz Serra
Crazy English repete hoje, dia 20, às 21:30, no Museu do Oriente.
Let's Get Lost repete hoje, dia 20, às 23:30, na sala 3 do S. Jorge.
*Ouvir jazz coloca-me num episódio de Peanuts. Gosto, mas passado um bocado começo a andar num passo esquisito, com um cão branco e preto a meu lado e caio sempre que tento pontapear uma bola. Miúda estúpida.
sábado, 18 de outubro de 2008
DocLisboa - We (Wo Men) e Gonzo: The Life And Work of Dr. Hunter S. Thompson
Este filme relata a luta travada por alguns indivíduos chineses para alterar o estado da sua nação.
Só isto. Infelizmente, a ideia - que consegue atingir-nos logo nos primeiros 10 minutos - arrasta-se por um filme que, no catálogo, tem 102 minutos - apenas no catálogo, pois na vida real tirou-me anos de vida.
Compreendo e respeito bastante o tema mas, como longa metragem, o filme acaba por perder a nossa aprovação.
Um bom filme que nos coloca na pele de quem quer fazer a revolução no seu país. Um mau filme para quem sente a sua pele bem aconchegada numa cadeira de cinema.
Gonzo: The Life and Work of Dr. Hunter S. Thompson
"Dirty old man..."
Uma expressão que eu, como muito boa gente, geralmente associa a Charles Bukowski. Concordo plenamente: uma vida cheia de mulheres, apostas, drogas e álcool, muito álcool, dá justamente esse "título" a uma pessoa. Mas nunca tinha pensado na expressão "dirty young man" até ver hoje o documentário sobre Hunter S. Thompson.
Hunter S. Thompson pode não ser muito conhecido para nós, Europeus - algo que mudaria se não tivesse tirado a sua própria vida em 2005, e se tivesse continuado com o seu estilo jornalístico durante os anos de G. W. Bush. Aí sim, eu assinaria a Rolling Stone.
Mas conhecemos bem a personagem Raoul Duke do filme Fear and Loathing in Las Vegas - Delírio em Las Vegas, encarnada por Johnny Depp, que não é mais do que o alter ego deste senhor Hunter Thompson durante uma viagem feita a, como o nome indica, Las Vegas. Porém, a viagem que o filme de Terry Gillian tão alucinantemente descreve - com um argumento que parece ter saído da máquina de escrever em forma de insecto de William Burroughs - é apenas uma gota de água num copo já de si muito cheio (e se estava cheio de whisky tem sido, de tempos a tempos, esvaziado por Hunter).
Se o filme de Gillian é uma viagem repleta de alucinogénicos, este Gonzo: The Life and Work of Dr. Hunter S. Thompson é como consumir um cocktail de drogas, misturar com whisky, entrar numa montanha russa e ler o Naked Lunch todo numa só hora. A injecção de informação, em ritmo acelerado, faz prever uma ressaca muito grande, amanhã.
Em busca do American Way of Life, Hunter S. Thompson agarra-se à filosofia de Timothy Leary - trocando a música tibetana por Rock'N'Roll -, segue os infames Hell's Angels, tenta concorrer ao cargo de xerife na pacata terra de Aspen - antes das estâncias de ski, presumo -, apoia candidatos políticos (por "apoio" entenda-se "estragar a vida dos políticos da oposição"), atingindo depois um estatuto como escritor, com fama apenas comparável à das estrelas de rock.
Com um humor fora de série, bem presente nos seus artigos para a Rolling Stone, Hunter S. Thompson ainda era visto como um excêntrico, facto auxiliado pelo seu apetite por auto-destruição. Com aparentes problemas mentais, podemos ver esta pessoa como a base para a personagem R.P. McMurphy de Ken Kesey - também mencionado neste filme -, do livro (e filme) Voando Sobre um Ninho de Cucos.
Extrovertido, amante de drogas, mulheres e armas, dava com as suas palavras um tiro certeiro no estado actual da sua sociedade. E, se não encontrou o American Way of Life, acabou por criar o Hunter S. Thompson's Way of Life.
Se não havia notícia, ele criava-a. Num dos (vários) momentos hilariantes do filme, e ilustrando um óptimo exemplo do estilo jornalístico gonzo, discute-se a possibilidade de um político estar viciado na droga Ibogaine. Alguém perguntou a Thompson se era verdade que esse rumor tinha começado em Milwaukee. A resposta foi "claro que é verdade, fui eu que o comecei. E, sendo verdade, agora sabem que sou um jornalista sério".
Tudo isto temos neste filme, com o extra de ter Johnny Depp a "repetir o papel de Hunter", narrando as palavras que agora só podem ser lidas, que nunca foram nem serão proferidas em voz alta pelo escritor - com aquele ritmo único, quase musical, a substituir a sua voz.
Imperdível, mesmo para - ou especialmente para - quem não conhece o trabalho de Hunter S. Thompson.
Refraseando: imperdível para todos aqueles que ainda não estão convencidos do ditado "a caneta é mais forte que a espada". Hunter podia não escrever com caneta, mas a sua máquina de escrever certamente fez vacilar exércitos.
Assim me despeço pois quero agora ir ver o Fear And Loathing in Las Vegas. Aproveitar a embalagem.
Tenho aqui whisky e um monte de cigarros - agora, onde vou encontrar uma boquilha para os segurar, a esta hora da noite...?
Sérgio Cruz Serra
Gonzo... repete dia 23 de Outubro, às 20h30, na sala 1 dos cinemas Londres.
We (Wo Men) repete dia 19, às 21:30, no Museu do Oriente, e dia 21 de Outubro, às 15h, na sala 1 dos cinemas Londres.
DocLisboa - American Swing
O plano era, portanto: ver o Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa - o qual me fala sempre de bom humor e tem um jogo de ping pong tão bom como o meu (o que acaba por não ser um elogio); depois de um jantar, ir ver o Titicut Folies de Frederick Wiseman, um dos realizadores homenageados pelo festival; e, no fim da noite tentar apanhar o American Swing, de Jon Hart e Mathew Kaufman, porque simplesmente achei que era altura de me introduzir nesta prática tão corrente nos dias de hoje...
... Estou a falar de ir ver filmes ao DocLisboa, e não em praticar swing, mas obrigado pelos mails que têm enviado a combinar locais... podem parar (os mails com as fotos das mulheres podem continuar...).
Bem, como podem ver que no titulo do post só está um filme, dá para perceber que não consegui ir aos dois.
Primeiro tive de levar o meu carro ao mecanico, pois ele ainda não vai sozinho. Depois, aquele jantar que mencionei acima transformou-se numa jantarada, com esgares de dor por ver perto, tanto a hora do filme, como o meu copo constantemente a encher de vinho.
Mas chega de mim. Falemos do DocLisboa e do filme que vi ontem. Foi só um, portanto.
American Swing
Alguém se lembra de um jogo de computador da década de 80 chamado Leisure Suit Larry?
O jogo - e a série de jogos que o primeiro desencadeou - tinha como personagem um senhor chamado Larry Laffer, que tinha como objectivo de vida ter sexo com todas as mulheres que respirassem perto dele. Quem joga o jogo nota o seu sentido de humor, a sua fraca inteligência, a sua atracção para os problemas - uma personalidade que, estando misturada com as situações loucas com que o seu dono se confronta, é a base da receita para uns momentos bem passados de humor politicamente incorrecto.
Foi assim que enfrentei American Swing. Tendo sempre em mente que o Larry Lavenson que eu estava a ver no grande ecrã me fazia lembrar de Larry Laffer, até a roupa era igual. O problema é que este último é uma personagem fictícia e o primeiro é - ou era - uma personagem bem real, tão real na América dos anos 70 como em Portugal dos anos 50, 60, 70, 80, e por aí adiante.
Iletrado, fascinou-me a capacidade de argumentação num tema que choca qualquer sociedade conservadora - a troca de casais (porém eu ontem não vi grandes trocas, mas sim grandes misturas... mistura de casais se calhar era um tema mais adequado (mas havia também pessoal solteiro lá no meio... ok, troquemos "casais" por "fluidos" e "troca" por "mistura" - mistura de fluidos! ahhh, bem mais agradável)), ou seja, sexo sem complicações, sem remorsos, e num local onde podes dar um pézinho de dança antes, durante ou depois do(s) acto(s) em si.
Sim, é este o tema do filme. Sexo. Troca de casais. Sexo. Sexo. Tudo isto se passava no Plato's Retreat, um dos locais ao mesmo tempo in e ao mesmo tempo underground de Nova York no fim da década de 70 e início da década de 80.
Admito que, ao ver as gravações, senti uma pontada de inveja pelas imagens que chegavam da década de 70, imagens desfocadas pelo suor colado à objectiva e pelo fumo do cigarro de Larry Lavenson, imagens que mostravam pessoas jovens sem qualquer tipo de inibição, pessoas que acreditavam na revolução cultural em que se estavam, literalmente, a inserir.
E depois vivia-se um período pré-SIDA, em que o significado de sexo livre era literal.
No entanto - e daqui vem o carácter cómico do documentário - quem faz de metrónomo do filme, dando-lhe ritmo e jovialidade, são as pessoas que viveram os dias de glória do Plato's Retreat. Ok, se calhar não há tanta jovialidade, porque as entrevistas são feitas actualmente, numa altura em que os peitos firmes de outrora são o brinquedo onde o gato lá de casa se balança. Para dar uma pequena ilustração, imaginem um velhote de olhos bem abertos, à beira de um ataque cardíaco, a falar de sexo como se tivesse sido ontem à noite. Ou o que dizer daquele casal, tipicamente Nova York'ino, que fala das suas experiências no infame local, ele interrompendo-a, ela a especificar com quantas mulheres se envolveu, ambos a dizer algo que ainda consegue surpreender o cônjugue.
É isto American Swing. Uma boa viagem pelo mundo do sexo de Nova York, convencendo-me de que o melhor sítio para se estar chamava-se Plato's Retreat.
Agora vou de novo olhar para a programação, a ver se consigo apanhar mais que um filme hoje...
Quanto ao Titicut Follies, repete dia 26 de Outubro, às 22:30, na sala 1 do Londres.
O Adeus à Brisa passa de novo dia 20 de Outubro, às 23:00, no Grande Auditório da Culturgest. Quem quer vir comigo?
Sérgio Cruz Serra